A Lei n. 13.467/2017 foi promulgada em 13 de julho de 2017 e publicada no diário oficial em 14 de julho do mesmo ano. Em seu artigo 6º previu que entraria em vigor cento e vinte dias corridos depois de sua publicação oficial.
Calculou-se que em 11 de novembro de 2017 a lei entraria em plena vigência, regulando, a partir de então, as relações de trabalho e os processos trabalhistas.
Será?
No estudo de qualquer matéria de direito a aplicação de lei nova sempre suscita muitas dúvidas para todos os lados. Este tipo de estudo é chamado de direito intertemporal e guarda grande relevância, sobretudo pelo fato de a Constituição proibir ao legislador modificar direitos considerados adquiridos, ou afetar o ato jurídico perfeito e coisa julgada (art. 5º, XXXVI da CF).
O artigo 6º da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), em seu parágrafo primeiro, reputa ato jurídico perfeito o já consumado segundo os ditames da lei antiga. Assim, um contrato de trabalho contratado e prestado antes do vigor da lei nova rege-se, por óbvio, pela lei antiga e não pela lei que passou a vigorar depois. É o que em direito costuma-se dizer tempus regiti actum, isto é, os atos são regidos pela lei vigente em seu tempo.
O parágrafo segundo do artigo supra define o direito adquirido como aquele que pode ser exercido de pronto pelo titular, ou cujo exercício depende somente de alguma condição ou prazo pendente.
Muito embora não tenhamos a pretensão de esgotar o tema ou apresentar respostas matemáticas, posto que em direito a polêmica é a regra, temos algumas sugestões de cuidado para que empregadores e empregados possam agir com cautela quanto à implementação dos novos conceitos.
No âmbito do direito material, isto é, das relações de emprego em si, a regra de aplicação da lei nova no direito é de tempus regiti actum , ou seja, aplica-se a determinado fato jurídico a lei vigente quando de sua ocorrência. Isto porque não pode a lei nova retroagir, isto é, regular fatos anteriores a seu pleno vigor. Caso contrário, nunca saberíamos se estamos agindo conforme a lei, não é mesmo?
O problema é que quando se trata de contrato de trabalho, fala-se de uma relação continuada, que em direito é chamada de trato sucessivo. São milhões de contratos de trabalho iniciados antes do vigor da lei nova que irão continuar vigentes após o dia 11 de novembro. Nestes é que reside a grande dúvida.
A nosso ver, as alterações trazidas pela lei n. 13.467/2017 que simplesmente retiram direitos dos empregados, como a hipótese de supressão das horas in itinere, não se aplicam aos contratos de trabalho que começaram antes da modificação legislativa.
Caso contrário, haveria violação ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF) e, também, à cláusula geral do direito do trabalho que veda a alteração unilateral lesiva das condições de trabalho.
Esta é hipótese semelhante à supressão do direito de incorporação de gratificações (que reputamos inconstitucional, mas isto é outra discussão). Para o empregado que exerceu funções de confiança por mais de dez anos, recebendo gratificações, este direito incorporou-se ao seu patrimônio jurídico, pendendo somente a retirada imotivada da função comissionada para que o direito seja pleno. Logo, a lei nova não pode suprimir o direito adquirido, muito menos tirar remuneração daqueles que já tiveram a gratificação incorporada, posto que, de outra forma, violará o ato jurídico perfeito, isto é, fato consumado segundo as regras pretéritas.
Para aqueles contratados antes da lei nova, mas que tenham recebido gratificação por período inferior a dez anos, este direito integrou seu patrimônio jurídico caso previsto contratualmente, sendo modificação posterior ilícita por confronto à regra que não permite a modificação contratual prejudicial ao empregado.
As disposições que permitem a livre negociação individual ou coletiva, no entanto, se aplicam imediatamente a partir da vigência da nova lei. É o caso do fracionamento das férias em três, desde com expressa concordância do empregado, não podendo uma das frações ser inferior a quatorze dias, e as demais não podem ser inferiores a cinco dias (art. 134, § 1º CLT).
No âmbito processual a polêmica não é menor, mas temos algumas pistas que podem prevenir as partes.
A regra é de aplicação imediata das novas regras jurídicas, enquanto os fatos já ocorridos continuam regidos pela lei de seu tempo. Como pista, tomamos emprestad o artigo 1.046 do Novo Código de Processo Civil, que disse que suas disposições se aplicariam imediatamente aos processos pendentes, isto é, ajuizados antes de seu pleno vigor. Seu parágrafo primeiro, no entanto, ressalva a aplicação das disposições do processo sumário – revogados pela nova lei – aos processos ajuizados antes de seu vigor, porém ainda não sentenciados.
Com efeito, quando se trata deste conflito de leis no tempo, o grande problema no direito processual neste aspecto diz respeito aos atos processuais que se iniciaram na vigência da lei velha, mas cujos efeitos só virão na vigência da lei nova.
O artigo 912 da CLT mostra o caminho, aduzindo que os dispositivos de caráter imperativo se aplicam imediatamente às relações iniciadas, mas não consumadas antes da vigência da CLT. Seria, então, apelo à aplicação imediata.
Porém, o artigo 915 ressalva o direito adquirido, ressaltando que não se prejudicam os recursos interpostos com apoio em dispositivos alterados ou cujos prazos de interposição este em curso à data da vigência da CLT.
Em regra, no direito processual, respeita-se o tempo do ato processual. Assim, os requisitos da petição inicial devem ser aferidos conforme as regras vigentes no tempo de seu protocolo, sendo a mesma lógica com relação aos recursos. Da mesma forma, uma decisão publicada antes do vigor da nova regra terá a contagem de prazo para recurso regulada conforme a regra do tempo de sua divulgação. Somente se publicada a partir de 13 de novembro é que o prazo de sua impugnação será regido pela contagem somente em dias úteis, como passou a prever a nova redação do artigo 775 da CLT.
Para Jose Affonso Dallegrave Neto[1], os honorários advocatícios, especialmente os por sucumbência recíproca, não se aplicam às ações ajuizadas antes de 11 de novembro de 2017. Isto porque, em primeiro, trata-se de disposição processual, mas com implicações materiais, tratando-se de matéria híbrida. Além disto, a condenação em honorários (em desfavor do autor, em regra, empregado ou ex-empregado) decorre do julgamento de improcedência dos pedidos, que somente a partir da nova lei terão de efetivamente ser liquidados, isto é, com o valor patrimonial delineados já na inicial. Logo, especialmente no caso de sucumbência recíproca, isto é, de improcedência de alguns pedidos e procedência de outros, não há base para o cálculo dos honorários devidos pela parte autora ao advogado do reclamado.
Além disto, o valor da causa era antes, em regra, meramente estimativo, não refletindo efetivamente o valor patrimonial em jogo, sendo, então, em qualquer hipótese incompatível a nova disposição de condenação em honorários com os antigos requisitos da petição inicial (que não previam sequer a necessidade de declinar o valor da causa, muito menos a liquidação dos pedidos).
Como se vê, embora haja muita discussão pela frente, é importante que trabalhadores e empregadores, além de sindicatos profissionais e econômicos, ajam com cuidado, sempre procurando informar-se com profissionais especialmente nesta delicada fase de transição e consolidação. Aos operadores do direito cautela é também a palavra de ordem, tanto no aconselhamento de clientes, como na atuação contenciosa.
[1] Dallegrave Neto, José Affonso. (In)aplicabilidade imediata dos honorários de sucumbência recíproca no processo trabalhista, In Revista Eletrônica do TRT 4ª Região – V. 6 – n. 61 – Julho/Agosto 2017. pp. 38-46
Fonte: Blog Nicolas Basilio (https://nicolasbasilio.wordpress.com/)